29 de setembro de 2011 (quinta-feira)

 09:00hs – Inscrições dos participantes

09:30hs – Sessão de abertura

10:00hs às 12:00hsConferência de Abertura – Localizando novos saberes sobre o saber. Ivan da Costa Marques – HCTE- UFRJ

 14:30hs às 18:00hs – Mesa redonda 1: Práticas de conhecimento e os conhecimentos na prática.

Renzo Taddei (UFRJ), Mauro Almeida (Unicamp), Ana Gomes (UFMG). Debatedor: Henyo Trindade Barreto Filho (IIEB). Coordenador: Stelio Marras (USP).

18:30hs às 21:00hs – Mesa redonda 2: Tecnociências e as novas políticas da vida.

Com Adriana Stagnaro (UBA), Paula Sandrine (UFRGS), Fabíola Rohden (UFRGS), Daniela Manica (UFRJ). Debatedor: Naara Luna (UFRRJ). Coordenador: Sayonara Leal (UnB).

30 de setembro de 2011 (sexta-feira)

 09:30hs às 12:00hs – Mesa redonda 3: Corpo e técnica na teoria social

José Pinheiro Neves (Univ. do Minho), Pedro Ferreira (Unicamp), Carlos Sautchuk (UnB), Marko Monteiro (Unicamp). Debatedor: Eduardo Vargas (UFMG). Coordenador: Soraya Fleischer (UnB).

14:30hs às 18:00hsSeminário temático 1- Tecnologias vitais e virtuais representações (debatedor Eduardo Vargas – UFMG)

Alejandra Aguilar Pinto (IBICT). A confluência da tecnologia do ciberespaço no espaço etnográfico: inclusão ou exclusão das “alteridades”.

Ana Flávia Andrade de Figueiredo (UFPE/UFVJM). O conceito de fronteira como objeto híbrido em redes virtuais de viajantes.

Marcos Castro Carvalho (UFRJ). Entre phantoms, oncomouses e fragmentos corporais: etnografando interfaces corpo-tecnologia na práxis laboratorial.

Aline Quiroga Neves (UFPE). Tecnologia videográfica e pesquisa etnográfica: considerações teórico-metodológicas e ressonâncias do fantástico e das lentes.

Natália Almeida Bezerra (UNB). Antropologia dos números: representações concretas de doenças como Diabetes e Hipertensão entre os moradores da Ceilândia Sul, DF.

Rafael Antunes Almeida (UnB). As semividas: Anotações sobre um experimento em bioarte.

14:30hs às 18:00hsSeminário temático 2- (Des)Naturalizações: Ordem, família, gênero e espécie. (debatedor Guilherme Sá – UNB)

Daniel Pereira Ramiro (Unicamp). Controvérsia científica no uso de animais de laboratório.

Natacha Simei Leal (USP). “Aonde a vaca vai o boi vai atrás”: Notas etnográficas sobre uma central inseminação artificial de bovinos.

Ísis de Jesus Garcia (UFSC). Quem possui a condição de seres-humanos?

Caetano Sordi (UFRGS). Contra a carne, a favor da carne: os discursos da ciência, da inovação e da sustentabilidade como tropos retóricos nos conflitos envolvendo a carne bovina no Brasil.

Marina Fisher Nucci (IMS/UERJ). Cérebros masculinos” e “cérebros femininos”: análise das pesquisas biomédicas contemporâneas acerca do gênero e da sexualidade.

18:30hs às 21:00hsSeminário temático 3- Diversidade humana e medicalização da vida (debatedor Marko Monteiro)

Gláucia Oliveira da Silva (UFF) & Ricardo Ventura Santos. Farmacogenômica, pureza e mistura: Um olhar a partir da antropologia da ciência.

Rodrigo Ciconet Dornelles (UFRGS). Entre cientistas e “bancadas”: etnografando a genética de populações humanas.

Rosana Castro (UnB). Segurança e eficácia de inibidores de apetite: notas de uma controvérsia sócio-técnica.

Graziele Ramos Schweig (UFRGS). Heterogeneidade e tensionamento: um olhar etnográfico sobre a construção do conhecimento em saúde.

Carlos José Saldanha Machado (FIOCRUZ). O encontro entre dois mundos científicos na arena da saúde pública: o da virologia ambiental e o da antropologia da ciência.

Roberta Grudzinski (UFRGS). Considerações sobre a confecção de protocolos clínicos a partir dos usos e sentidos dados às terapias genéticas.

 

18:30hs às 21:00hsSeminário temático 4- Saber-fazer: técnica e produção (debatedor Carlos Sautchuk)

Patrícia Campos Luce (UFBA). “Eu Sou Angoleiro”: um laboratório da percepção.

Júlia Dias Escobar Brussi (UnB). Brincando de fazer renda.

Simone Miranda Soares (UnB). Remendar e Trocar: Sobre a técnica das coisas em Raposa-MA.

Eduardo S. Nunes (UnB). Parentesco indígena como técnica.

Arthur Arruda Leal Ferreira (UFRJ). O Segredo como Modo de Produção de Subjetividade: seguindo as produções de um departamento de psicologia.

Neuza Cristina Gomes da Costa (UNED). Musculação: construção do corpo simbólico de macho.

 

01 de outubro de 2011 (sábado)

09:30hs às 12:00hsMesa redonda 4: In(ter)venções em Mundos (Com)Partilhados: Ciência nos coletivos humanos e animais.

Cimea Bevilaqua (UFPR), Eliane Sebeika Rapchan (UEM), Felipe Sussekind (UFRJ). Debatedor: Guilherme Sá (UnB). Coordenador: Francisco Dionisio Mendes (UnB).

 

14:30hs às 18:00hsSeminário temático 5- Por uma teoria cultural da ciência (debatedor Pedro Ferreira – Unicamp)

Mariana Vilas Bôas Mendes (UFMG) & Natália Cristina Ribeiro Alves (USP). As relações sociotécnicas na teoria social: entre o marxismo e a antropologia simétrica.

Orlando Calheiros (UFRJ). Re-antropologizando o pensamento: uma antropologia da ciência por exemplo.

Gustavo Gomes Onto (MN-UFRJ). Transbordamentos da regulação: visualizando mercados na política antitruste.

Suzane de Alencar Vieira (UFRJ). Devir catastrófico da tecnociência nuclear.

Christina de Rezende Rubim (UNESP). A Construção da Antropologia como Ciência na Espanha: nações, histórias e memórias.

Hugo Loss (UnB). O mistério da Selic.

14:30hs às 18:00hsSeminário temático 6- As ciências e seus ambientes (debatedor Stelio Marras – USP)

Roberto Donato da Silva Junior & Leila da Costa Ferreia (Unicamp). As propostas de sustentabilidade em ecologia: uma análise socioantropológica sobre a relação entre especialização científica e fenômenos híbridos.

Diego Soares (UnB). Pesquisadores Indígenas, Práticas de Conhecimento e Ontologias no Alto Rio Negro: diferentes formas de conceber o diálogo entre saberes científicos e indígenas no campo do socioambientalismo.

Luís Guilherme Resende de Assis (UnB). Gelo Seco: a colonização científica brasileira da Antártida

Cleyton Henrique Gerhardt (UFRGS). “Eu seria péssima pra estar na tua banca!”: Observando observadores em confronto no debate perito sobre áreas protegidas e populações locais: implicações metodológicas e inconvenientes éticos.

Milena Estorniolo (USP). Pontos de vista indígenas sobre as ciências e as técnicas. O caso da piscicultura na Escola Indígena Baniwa e Coripaco Pamáali (médio rio Içana – AM).

18:30hs às 21:00hsConferência de encerramento: Timothy Ingold  (University of Aberdeen)

Título: Science and silence

In this lecture I draw a parallel between the history of science and the history of reading, from medieval to modern times. On the side of the book, medieval practices of reading, which entailed a conversation with the ‘voices of the pages’ that were activated in reading aloud, were replaced – in the wake of the Reformation – by silent reading, the purpose of which was to extract the literal meaning of a given text. This was facilitated by the introduction of spaces between words, which broke up the letterline into segments and led to a view of the text as an assembly rather than a woven fabric. An equivalent transformation occurred in the rise of early modern science, when figures such as Bacon and Galileo argued that the works of the Creator should be studied for what they are: not (in the medieval manner) as interwoven stories, but as discrete classifiable objects laid out in what was called the ‘book of nature’ – a book readable by anyone with the necessary keys to decipher it. From then on, beings of the more-than-human world no longer spoke to people, nor did people listen to what they had to say. Nature was silenced, along with the silencing of the book. This silencing of nature persists to this day, and I argue that it has had fateful consequences for our capacity to live sustainable lives.

 

Lista de Resumos – Mesas Redondas

 

Contracepção, biopolítica e o controle da fertilidade – Daniela Manica (UFRJ)

RESUMO: A proposta desta apresentação é discutir alguns dos agenciamentos que possibilitaram o surgimento de determinados métodos contraceptivos, e seu relativo sucesso (comercial, inclusive). Os processos de socialização desses diversos métodos e técnicas, caracterizados por vezes a partir de termos semanticamente distintos como “controle da natalidade”, “planejamento familiar” e “regulação da fecundidade”, sugerem algumas relações interessantes entre tecnociência, indústria farmacêutica, biopolítica e o controle da fertilidade, que serão exploradas numa narrativa sobre tais processos.

Picologia: pensando a reticulação do meio urbano pelo skate – Pedro Ferreira (Unicamp)

RESUMO: O termo “skate” pode designar tanto um objeto técnico quanto a prática a ele associada, realizada por híbridos humanos/não-humanos conhecidos como “skatistas”. “Picologia” é o termo aqui proposto para designar a prática skatista nativa de teorizar o modo de existência dos picos, i.e., a reticulação do meio urbano a partir de pontos espaço-temporais privilegiados para a prática do skate. Esta apresentação será baseada na discussão de alguns exemplos de “picologias” coletadas na mídia especializada, à luz de aproximações entre o conceito simondoniano de rede e o conceito latouriano de ator-rede. O objetivo será evidenciar como a prática do skate inventa
um meio urbano específico ao operar uma criteriosa distribuição de pontos espaço-temporais privilegiados, os assim chamados “picos”. Será argumentado que um pico pode ser entendido como um encontro-evento-acontecimento definido por uma convergência especificável de agências humanas e não-humanas envolvendo, geralmente: de um lado um ou mais skatistas; e do outro lado um conjunto de agências que compõe o mundo comum habitado pelos skatistas (e.g.: seguranças, transeuntes, policiais, proprietários de imóveis inabitados, crianças, mendigos, drogados, pedras portuguesas, pedrinhas pequenas, buracos, mármore, degraus, corrimãos, bancos, sarjetas, automóveis, terra, chuva, água, frio, calor, sol etc.).  A picologia será, por fim, proposta como contribuição para uma discussão
em torno das perspectivas latouriana e simondoniana com relação às implicações ético-políticas da ciência.

Intersexualidade e prescrições sociomédicas: “confissões corporais”, a concepção de bem-estar futuro e as incertezas da ciência – Paula Sandrine (UFRGS)

RESUMO: Os avanços na área da medicina têm provocado intensos debates no âmbito da Bioética e do Biodireito. Entre outras conseqüências, o desenvolvimento técnico-científico tem sido responsável por novas promessas no que concerne ao campo dos diagnósticos, das intervenções clínico-cirúrgicas e dos prognósticos em uma diversidade de áreas de atuação. O objetivo deste trabalho é analisar o lugar dessas ferramentas de diagnóstico e intervenção e a sua articulação com os prognósticos no caso específico do gerenciamento sociomédico da intersexualidade, considerando que as mesmas fazem sentido e são colocadas em funcionamento em um contexto em que a dicotomia sexual opera como verdade e como norma. Pode-se dizer que existem ao menos dois níveis implicados quando se considera o processo de “busca do sexo verdadeiro” no corpo: o da localização do sexo (na anatomia, nas gônadas, nos genes) e o do percurso biológico do mesmo no corpo (aspectos dinâmicos e temporais, sofisticados pela ajuda da biologia molecular). Disso resulta que, da extração da verdade por meio do discurso, passa-se a novas formas de “confissões corporais”, acionadas por outros mecanismos que estão para além daquele que “confessa”. O sexo não é apenas algo a ser dito, mas uma materialidade a ser escrutinada no nível mais invisível, molecular, do corpo. O presente do diagnóstico molecular se desdobra, então, em uma espécie de futuro selado nas moléculas. A intervenção se inscreve nesse contexto como algo que deve, por um lado, reafirmar o diagnóstico e, por outro, garantir o bem-estar futuro da criança. O fato de que a dicotomia enquanto norma de gênero não compreende sem tensões os corpos intersex desvela, contudo, as insuficiências e a artificialidade de um modelo baseado em categorias sexuais binárias, bem como explicita as incertezas médicas e a fragilidade da categoria “bem-estar”, tanto na produção científica como na prática médica.

Título não definido pela autora – Eliane Sebeika Rapchan (UEM)

RESUMO: O texto é uma reflexão sobre a possibilidade de existência de uma “teoria das culturas de chimpanzés”. Para isso perpassa questões postas pela antropologia sociocultural, os resultados apresentados pelos primatólogos sobre o fenômeno, as críticas dos estudiosos do comportamento animal sobre tal possibilidade e os argumentos apresentados por aqueles que recusam a aplicação da expressão “cultura” ao comportamento de chimpanzés. No processo, busca analisar as concepções de cultura correntes na antropologia sociocultural e na primatologia bem como o papel e o lugar da etnografia em ambas.

Aprendices de Brujos: Interludios y variaciones en la Antropología de la Ciencia – Adriana Stagnaro (UBA – Argentina)

RESUMO: La exposición tiene como objetivo reelaborar conceptos e ideas centrales para el enriquecimiento de las distintas perspectivas existentes en la antropología de la ciencia. Las búsquedas e itinerarios intelectuales y experimentales recorridos se detienen en cuatro aportes nodales, dos de ellos provenientes de la filosofía de la ciencia y los otros dos restantes de la sociología y antropología. Comenzaremos con la propuesta de Joseph Rouse (1987, 2005) de repensar la aproximación foucaultiana a nuevas formas de conocimiento y poder y sus interconexiones en el ámbito de las ciencias de laboratorio, entendido como campo de prácticas penetradas y constituidas por relaciones de poder que tienen efectos políticos significativos, para luego contrastarla con la noción Latouriana de poder. Seguiremos luego con Dominique Janicaud (1985) que  al despejar la significación actual de R&D constata el cambio operado en su carácter libre original para convertirse en lo opuesto, la fijación de antemano de lo que hay que descubrir para incrementar el poder. Así entonces este devenir irrestricto de una racionalidad  científica-técnica-instrumental, transmuta el poder de lo racional en la racionalidad del poder.Finalmente entraremos en un debate teórico-metodológico acerca de la antropología de lo contemporáneo, la consideración de sus problemas, conceptos y métodos, enfatizando la diferencia entre reproducción y emergencia; hechos y formas-eventos; distancia y adyacencia  (Bourdieu, 2005, Rabinow, 2003, 2008) en el estudio de los campos o configuraciones tecnocientíficas.

Explorando limites: a regulamentação da pesquisa com animais ‘humanizados’ – Ciméa Barbato Bevilaqua (UFPR)

RESUMO: Embora a utilização de animais contendo material genético de origem humana na pesquisa biomédica tenha se tornado uma prática corriqueira nas últimas décadas, o debate sobre os limites éticos da ‘humanização’ de seres não-humanos tem adquirido contornos críticos. Um exemplo é o relatório recentemente divulgado pela Academia de Ciências Médicas do Reino Unido recomendando a adoção de normas específicas para pesquisas dessa natureza, em especial no que se refere a três áreas em que a introdução de material genético humano em embriões e animais adultos é considerada particularmente sensível: a modificação do cérebro, a intervenção no sistema reprodutor e a produção de animais com características fenotípicas tidas como distintivamente humanas. O objetivo deste trabalho é explorar algumas concepções sobre o conhecimento científico e sobre as fronteiras entre humanidade e animalidade delineadas no relatório, cuja elaboração pretendeu colocar em perspectiva considerações de cientistas envolvidos em programas emergentes de pesquisa e preocupações do público leigo.

Gênero, ciência, intervenções: das instabilidades da natureza à bioquímica das diferenças – Fabíola Rohden (UFRGS)

RESUMO: A partir da perspectiva mais geral dos estudos sociais da ciência e em particular do campo dos estudos de gênero e ciência, analisa-se a construção dos saberes e práticas constituídos em torno da noção de diferença sexual, como é o caso da ginecologia, da endocrinologia sexual e da sexologia. A questão central refere-se à percepção de que, em vários contextos distintos, assiste-se a processos de redefinição das diferenças de gênero e de sexo por meio de marcadores tidos como “biológicos” ou “naturais” que se tornam o fundamento da produção de teorias e intervenções práticas. Investigar a gênese de tais processos remete à discussão em torno da preeminência da uma perspectiva dualista em nossa tradição de pensamento e produção científica, sobretudo calcada na oposição entre natureza e cultura. Para além da visualização da ênfase na diferença, o que se busca é demonstrar como o que prevalece é a instabilidade relativa ao que é definido como natural, tornando inteligível a complexidade que encapsula o processo da delimitação das fronteiras entre os sexos. A hipótese em cena diz respeito ao fato de que se identifica um percurso de naturalização das diferenças através de uma lógica de “substancialização” ou “materialização”, nítido por exemplo, na promoção de modelos explicativos da economia corporal que passam da anátomo-fisiologia para a bioquímica dos hormônios e as distinções cerebrais.

Corpo, representação, objetividade: considerando práticas de produção de evidências científicas – Marko Monteiro (UNICAMP)

RESUMO: Neste trabalho, reflete-se sobre a importância da problemática da representação para os estudos sobre ciência e tecnologia, considerando pesquisas etnográficas com diferentes práticas de produção de evidência nas quais o corpo figura como elemento fundamental. Seja como objeto do conhecimento científico, seja como parte do aparato técnico que produz esse saber, o corpo tem sido historicamente fonte de reflexões ontológicas e cosmológicas sobre o significado do conhecimento. Mais recentemente, o corpo vem sendo reintegrado por estudos antropológicos aos aparatos técnico-cognitivos da ciência, com conseqüências sobre como é entendida a objetividade. Exemplos etnográficos de pesquisas com modelagem computacional e com sensoriamento remoto serão oferecidos como ilustrativos dessas diferentes formas de pensar a produção de evidências e a objetividade enquanto conquistas práticas, localizadas e incorporadas.

Práticas de conhecimento do futuro e os conhecimentos do futuro na prática: clima e antropologia – Renzo Taddei (UFRJ)

RESUMO: Este trabalho consiste em reflexões a respeito de como o futuro é construído como elemento importante do presente, em relação diretas às formas como as incertezas existem e são manipuladas no decorrer da vida social. O estudo de caso central trata das previsões sobre o futuro do clima, no sertão cearense, e também nos debates internacionais sobre as mudanças climáticas.

Onças, fazendeiros e cientistas: algumas observações sobre a conservação da vida selvagem no Pantanal – Felipe Sussekind (UFRJ)

RESUMO: A conservação da onça-pintada no Pantanal é um tema que envolve formas diferentes de proteção. De um lado, há a necessidade de proteção da comunidade constituída por humanos e animais domésticos frente à onça, sendo ela uma ameaça tanto para o gado quanto para as comunidades de vaqueiros e pescadores que vivem no Pantanal. Por outro lado, a ecologia afirma a necessidade de proteção da onça diante das ameaças humanas: expansão agropecuária, desmatamento, caça, são fatores que restringem cada vez mais o território da onça, e que levam a espécie a ser classificada como ameaçada, vulnerável ou em risco de extinção.

Teoria e prática no conhecimento tradicional e na ciência  – Mauro Almeida (UNICAMP)

RESUMO: A antropologia da ciência volta-se amiúde para os aspectos instrumentais das ciências com menos destaque para as visões de mundo contidas em suas teorias implicam. A antropologia de saberes tradicionais, ao contrário, enfatiza a variedade de mundos indígenas, mas não tematiza os seus laboratórios.  Essas abordagens convergem na contraposição entre o naturalismo das ciências e a multiplicidade das visões de mundo tradicionais. Esse diagnóstico leva ao programa de abolir esse dualismo em favor de uma ontologia monista que ou reduz um dos lados do dualismo ao outro, ou combina ambos em mundo de híbridos. Em disso, proponho que as antropologias do conhecimento reconheçam a pluralidade ontológica, lógica e indutiva tanto nas ciências acadêmicas como nas ciências locais. Em vez de monismo ontológico, viva o anarquismo lógico e metodológico!

Lista de Resumos – Seminários Temáticos

A confluência da tecnologia do ciberespaço no espaço etnográfico: inclusão ou exclusão das “alteridades”Alejandra Aguilar Pinto (IBICT)

RESUMO: O objetivo deste trabalho é apresentar a relação / confluência entre a ciência antropológica com produtos ou criações do ser humano como são a técnica, neste caso representado pelas TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação) que contribuíram à formação de um ‘espaço eletrônico virtual’ ou ciberespaço-cibercultura (Levy), através das redes digitais, como a Internet. Desde a intensificação dos avanços técnico-científicos, como a infoeletrônica e as  telecomunicações, novas formas de comunicação ,relacionamento e interação  surgiram no âmbito cientifico, o que alterou o tempo/espaço da comunicação científica. Assim procurasse apresentar como a antropologia (assim como outras ciências) tem ido mudando seu perfil, em face ao surgimento desta “nova etapa histórica” denominada de Sociedade de Informação/Conhecimento, Sociedade em Rede, Infoeconomia (Castells), que ampliou ou expandiu os espaços antropológicos de estudo (espaços etnográficos), além de modificar as formas de realizar pesquisa.Logo algumas questões decorrem ao longo do texto: até que ponto as TICs contribuíram à formação do projeto da Modernidade ou postmodernidade ou como Latour indicou  nossa Modernidade, jamais passou de  ser só um projeto, isto é,  falhou. O espaço eletrônico virtual constitui um ampliação ou exclusão de ‘todos’ os conhecimentos científicos? Até que ponto está representada a “alteridade” neste espaço? , etc.

O conceito de fronteira como objeto híbrido em redes virtuais de viajantes – Ana Flávia Andrade de Figueiredo (UFPE/UFVJM)

RESUMO: Com o intuito de estabelecer um diálogo com outros pesquisadores acerca de como as tecnologias da informação e, especialmente, a internet tem influenciado no conceito antropológico de fronteira, estabelecemos como objetivo principal do presente artigo, desenvolver em uma etnografia virtual – já iniciada como campo de pesquisa de doutoramento – uma investigação sobre como uma rede sociotécnica vem sendo estabelecida por redes virtuais de viajantes cujos focos sejam a troca de hospedagem e o intercâmbio cultural. Identificamos neste momento como objeto híbrido central o conceito de fronteira. A partir de então, interessa-nos entender como este vem sendo construído e a todo tempo remodelado pelos integrantes das redes e pelos sujeitos à frente de suas estruturas institucionais.  O paradigma adotado aporta na Teoria da Complexidade de Edgar Morin e de rede sociotécnica proposta por Bruno Latour. O desenho da rede sociotécnica que aqui se pretender iniciar – visto que o aprofundamento do conhecimento dos elementos é algo contínuo, dinâmico e exige assim um longo período de imersão no campo – será fruto de um acompanhamento iniciado em 2010 com o início do doutorado em Antropologia na UFPE e cujo campo de pesquisa se encontra em 19 redes virtuais de viajantes selecionadas a partir de critérios como forma de hospedagem e propostas de intercâmbio cultural. O conceito de fronteira como objeto híbrido tem se colocado de forma bastante incisiva para a apreensão dos discursos institucionais, mas principalmente na compreensão deste espaço antropológico – virtual – e suas ressonâncias para os rumos de nossa sociedade.

Controvérsia científica no uso de animais de laboratório – Daniel Pereira Ramiro (Unicamp)

RESUMO: Atualmente, muitos experimentos científicos utilizam animais como instrumentos de pesquisa; são apresentados como modelos vivos para testes farmacológicos, produção de imunobiológicos e desenvolvimento de estudos de doenças de diversos tipos (degenerativas, infecciosas, genéticas). Com a organização da sociedade civil em entidades para lutar contra a crueldade para com os animais – iniciada na Inglaterra em 1824 com a Society for the Prevention of Cruelty to Animals – a disputa pela ampliação da área de preocupação moral dos humanos tomou corpo institucional, trazendo à luz uma nova discussão sobre a validade/legitimidade do método científico pautado no uso de animais. Porém, o grupo que se opõe ao uso de animais não humanos pela ciência é heterogêneo e imerso em um contexto de luta mais amplo – pelo fim da exploração animal no vestuário, alimentação, entretenimento e ensino –, do qual depreendem diferentes elementos mobilizados para a construção desse movimento. Assim, focaremos aqui uma parcela dessa oposição, o abolicionismo científico, o qual adentra a uma discussão ontológica, pois se utiliza de argumentos da própria ciência para combater tal modelo. É com base nessa simetria que o equacionamento do par animalidade/humanidade será pensado. Para este desenvolvimento, as categorias de corpo e espírito serão mobilizadas em vista de compreender a proximidade e distanciamento entre animais humanos e não humanos, tanto para o pensamento científico hegemônico quanto para seu contradiscurso científico. Dessa forma, perceber-se-á que há uma disputa pela classificação do animal de laboratório dentro da própria esfera científica, abrindo espaço para reflexões acerca de seu caráter (dado como) objetivo e fechado a discussões. Assim, esse nosso problema, ao contrário, expõe a ciência como um corpo de pensamento aberto a controvérsias, agenciamentos e intencionalidades, questionando a separação entre ciência e sociedade.

Farmacogenômica, pureza e mistura: Um olhar a partir da antropologia da ciência – Gláucia Oliveira da Silva (Doutora – Universidade Federal Fluminense) -Ricardo Ventura Santos (Doutor – Fundação Oswaldo Cruz e Museu Nacional/ UFRJ)

RESUMO: Embora a genética de populações contemporânea não mais aplique o conceito de raça à espécie humana, instituições públicas de fomento de países como os EUA exigem, para financiar pesquisas sobre a ação de fármacos, que a composição e as análises das amostras levem em conta o pertencimento racial dos sujeitos. É uma questão controversa, pois, ao se incluir raça nas análises, gera-se também o cenário de que brancos e negros conformariam grupos raciais tão distintos que farmacogenes presentes na bagagem genética de indivíduos negros estariam ausentes da bagagem genética de brancos e vice – versa.No Brasil, resultados de estudos realizados no Instituto Nacional do Câncer (INCA-RJ) não coincidem com os obtidos em pesquisas norte-americanas devido à heterogeneidade genômica da população brasileira. Aqui, a premissa é a de que a miscigenação impede a associação direta entre cor e ancestralidade. Por exemplo, brasileiros brancos podem exibir uma proporção maior de farmacogenes encontrados em alta freqüência no continente africano do que brasileiros negros. O presente estudo versa, então, sobre a articulação entre prática científica e valores socialmente naturalizados na pesquisa biomédica. É analisada a utilização de categorias raciais na construção de amostras para pesquisas e em interpretações de dados na área de farmacogenômica, seja para reafirmar representação de raças como grupos estanques, seja para evidenciar seu hibridismo. Para tanto, propõe uma etnografia das pesquisas realizadas no INCA com a varfarina, tendo como contraponto as desenvolvidas nos EUA e Europa. A crítica dos cientistas brasileiros inclui a revisão de algoritmos matemáticos de dosagem de medicamentos, de ampla utilização em condutas clínicas ao redor do mundo, no que tange à dimensão racial. Nossas análises evidenciam como a incorporação de idéias de pureza e de mistura raciais, para atestar a eficácia dos fármacos, redimensiona a possibilidade de aplicação universal das tecnologias farmacêuticas.

Aonde a vaca vai o boi vai atrás”: Notas etnográficas sobre uma central inseminação artificial de bovinos – Natacha Simei Leal (USP)

RESUMO: A presente comunicação oral pretende pensar parte das controvérsias da pecuária no Brasil a partir de uma etnografia do cotidiano de uma central de inseminação artificial de bovinos. Esses espaços, onde são realizados processos de coleta de sêmen, formação de embriões, clonagens, ajudam a ilustrar as duas frentes da produção da pecuária no país: de um lado há o agronegócio da carne ( criação de bovinos para o abate) e de outro a produção de  gado de elite ( criação de touros e vacas reprodutores, de genealogia registrada, que nunca serão abatidos). Essas duas frentes estão sempre em relação, mas constituem diferentes mercados: enquanto a primeira aposta na “genética” para produzir reses de carne tenra e macia, capazes de serem abatidas em um tempo cada vez menor, a segunda é uma aposta “na genealogia”, nas vicissitudes do pedigree para gerar animais raros, especiais, cujo preço pode alcançar cifras milionárias. A partir de conversas com veterinários, geneticistas e peões que trabalham na central e de observações de procedimentos de coleta de sêmen, esse trabalho anseia pensar as conexões entre ciência e comércio a partir da descrição dos mecanismos que tornam células reprodutoras de touros ou vacas (esperma ou embriões) em mercadorias.

Quem possui a condição de seres-humanos? – Ísis de Jesus Garcia (UFSC)

RESUMO: Neste trabalho apresento uma pesquisa em andamento que analisa as controvérsias em relação às pesquisas com células-tronco embrionárias e a interrupção da gravidez do feto anencéfalo. Muito embora sejam objetos diversos, um ente de laboratório e um feto malformado, ambos possuem aspectos semelhantes, como, por exemplo, questões éticas e morais, bem como argumentações que negam ou atribuem a estes entes a condição de seres humanos. A partir de uma etnografia inspirada na perspectiva simétrica de Bruno Latour, analiso dois julgados do Supremo Tribunal Federal (STF). Pretendo verificar quem possui a condição de seres-humanos sujeitos de direitos nestes diferentes contextos para o STF.

Antropologia dos números: representações concretas de doenças como Diabetes e Hipertensão entre os moradores da Ceilândia Sul, DF – Natália Almeida Bezerra (UNB)

 

Partindo de uma perspectiva antropológica – mais especificamente da vertente da Antropologia da saúde – em que a enfermidade é vista como polissêmica e multifacetada, e levando em conta que o cuidado com saúde é uma realidade de construção social e cultural, esta pesquisa busca conhecer as experiências dos moradores da Ceilândia Sul-DF em relação ao uso de aparelhos tecnológicos biomédicos, como os medidores de glicemia capilar e os de pressão arterial. A idéia central é entender como estes aparelhos participam da vida dos doentes, entender e buscar as concepções culturais e sociais que sustentam a lógica do uso destes aparelhos e qual é o sentido dos mesmos na vida dos indivíduos. A ação de verificar/medir o nível de açúcar ou a força do sangue é uma realidade subjetiva e delineadora de comportamentos que cabe ser conhecida. No Brasil, as pesquisas na área da antropologia da saúde ainda são pequenas, se comparado ao interesse dos outros países na área ou mesmo com os números de pesquisas epidemiológicas realizadas no país. Mas quando estes estudos são produzidos, eles ganham importância e revelam dados curiosos sob o que pensa/sente/age o grupo estudado, a respeito das representações sobre a experiência da doença como uma construção social. Sob a escolha do tema de pesquisa, dois grupos de indivíduos foram previamente delimitados – hipertensos e diabéticos – por representarem um grupo que cresce em números no Brasil, o grupo dos doentes cardiovasculares. Como a longevidade da população brasileira aumentou nas últimas décadas, acabou assim elevando o percentual de envelhecimento da população, logo, a prevalência da Hipertensão e do Diabetes aumenta com a idade, e com uma população mais velha, os problemas de saúde pública também crescem; por isso são grupos que merecem ser foco de estudo das mais diversas pesquisas, por representarem esta situação pela qual estamos passando. Quanto ao tema “números”, partiu-se do interesse em se entender um pouco mais sobre como os números – que são revelados por meio dos resultados “emitidos” pela tecnologia dos aparelhos de verificar glicose e pressão arterial – estão presentes na vida dos usuários, as concepções que estes possuem acerca destes aparelhos e como eles passam de objeto a sujeito de mudança na vida dos indivíduos que os utilizam. Os estudos sob esta temática são raros no país, mas não poderiam deixar de ser pesquisados, por diversos motivos, como: aumento do número de pacientes com o diagnóstico de Hipertensão e/ou Diabetes; a venda, cada vez mais numerosa, destes aparelhos em farmácias, internet, lojas online; a reinterpretação diária e diversificada que os “números” recebem; entre outros fatores.

Sob o campo etnográfico, este será realizado com uma população urbana de baixa renda, no bairro da Guariroba, Ceilândia Sul – DF. Este campo foi escolhido justamente pela falta de estudo deste tipo na região. Também contribuiu para a escolha, o fato de outras pesquisas dentro da vertente da antropologia da saúde já virem se desenvolvendo no local, o que, de certa forma, facilita a inserção em campo.  Por último, como critério subjetivo que me levou a pensar este tema, foi o fato de ter em minha família, ao menos, 9 hipertensos e 4 diabéticos. Cresci ouvindo regras a respeito das restrições alimentares que meus tios sofriam ou observando como minha tia, que é enfermeira, “tirava” a pressão da minha avó, para tentar controlar suas tonturas. Talvez, a experiência que mais me marcou com relação a essas doenças, foi a relação que eu mantive com os números que eram revelados nos exames de sangue, devido ao fato de que eu, quando pequena, era “pré-diabética”, como conseqüência, minha rotina era perpassada por dietas, visitas à nutricionista e exames de glicose. Era eu, sentindo na pele, os resultados que os números revelavam. 

 

As relações sociotécnicas na teoria social: entre o marxismo e a antropologia simétrica – Mariana Vilas Bôas Mendes (UFMG); Natália Cristina Ribeiro Alves(USP)

RESUMO: O trabalho propõe um debate sobre as relações sociotécnicas, a partir de questões suscitadas pela leitura de Marx, da Escola de Frankfurt (notadamente Theodor Adorno, Max Horkheimer e Herbert Marcuse), André Gorz, Bruno Latour e Isabelle Stengers. O eixo do debate se dá em torno da controvérsia existente entre suas abordagens. De um lado temos Marx, Adorno e Horkheimer, que defendem o domínio do social sobre o técnico – entendido como uma estratégia de dominação do homem sobre a natureza –, e de outro Marcuse e Gorz, que apontam a importância da técnica sobre a construção do social, portanto entendida como uma estratégia de dominação do homem sobre o homem. Por fim, temos autores como Latour e Stengers, que procuram colocar em simetria os dois pólos das redes sociotécnicas. Busca-se discutir, a partir da perspectiva desses autores, como as tecnologias são produzidas, por quais atores, o que confere legitimidade a esses atores e suas técnicas/tecnologias e com qual finalidade, centrando o debate na discussão da neutralidade/finalidade das mesmas e na relação homem/natureza, considerando os limites e possibilidades postos pela matéria à ação humana. Nesse contexto, discute-se a relação política entre as tecnologias e seus usos, bem como estratégias de apropriação e subversão das mesmas por seus operadores.

Re-antropologizando o pensamento: uma antropologia da ciência por exemplo. Orlando Calheiros (MN/UFRJ)

RESUMO: Em outra história, um homem fez uma tocaia na mata e de lá retornou com três mutuns… Esta é a sentença inicial de um mito Aikewara, povo Tupi-Guarani do Sudeste do Pará, o primeiro de um ciclo cujo motivo é a origem dos brancos. Para além, a figura que subjaz a narrativa indígena é a da emergência de uma outra forma de fazer, uma forma mediada pela técnica, uma espécie de linguagem objeto orientada, transmissível, deslocada do sujeito. Esta apresentação, a partir do recurso à mitologia e à filosofia indígena, busca estabelecer uma reflexão propriamente antropológica – no sentido de uma antropologia reversa – da ciência.

As propostas de sustentabilidade em ecologia – uma análise socioantropológica sobre a relação entre especialização científica e fenômenos híbridos – Roberto Donato da Silva Júnior (UNICAMP); Leila da Costa Ferreira (UNICAMP)

RESUMO: O objetivo dessa pesquisa é analisar, do ponto de vista socioantropológico, as propostas de sustentabilidade em ecologia, para compreender como uma especialidade científica aborda fenômenos fundamentalmente híbridos. As propostas de sustentabilidade se configuram como tema central para a compreensão das relações entre ciência e dinâmica sócio-política na contemporaneidade. A idéia do “fim da natureza” torna-se relevante para se dimensionar a importância das questões ambientais e a responsabilidade ambivalente das ciências na modernidade reflexiva. O processo de racionalização tecno-científico, orientado pelo princípio “prometeico” de dominação da natureza, tem gerado um processo de hibridização entre objetos “naturais” e “sociais”. O comprometimento das dinâmicas ecossistêmicas, as ameaças à biodiversidade, a proliferação dos transgênicos e as mudanças climáticas antrópicas são decorrências desse processo. O termo “sustentabilidade” se apresenta, então, como o conjunto de propostas que tentam responder à proliferação dos riscos resultantes da saturação da modernidade reflexiva. A construção das propostas de sustentabilidade se estabelece, portanto, a partir da relação entre construção das (ir)regularidades entre humanidades e naturezas, definição de riscos e vulnerabilidades e, por fim, da busca de soluções para os dilemas socioambientais. Nesse sentido, essas propostas têm uma condição híbrida fundamental, na medida em que o seu contexto de existência se constitui da dissolução das barreiras entre “natureza” e “cultura” e, também, entre “ciência” e “política”. Como a ecologia, enquanto ciência especializada, responde a essa problemática constituída por elementos indissociáveis? A partir da leitura de quinze dos vinte e cinco artigos mais citados – segundo o sítio Web of Science – em ecologia, pretende-se compreender como se dá a relação entre especialização científica e fenômenos híbridos, assim como as possibilidades de intersecção interdisciplinar nesse contexto.

Pesquisadores Indígenas, Práticas de Conhecimento e Ontologias no Alto Rio Negro: diferentes formas de conceber o diálogo entre saberes científicos e indígenas no campo do socioambientalismo – Diego Soares (UNB)

RESUMO: Em 1992, com a promulgação da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), foram acordados novos princípios jurídicos na área de acesso à biodiversidade e conhecimentos tradicionais: a soberania dos Estados sobre os recursos genéticos; a repartição de benefícios em caso de acesso; e a realização de consentimento informado com as populações locais. No Brasil, um dos países signatários da CDB – o governo instituiu o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético para conceber e executar a regulamentação nesse setor. Em minha tese de doutorado, realizei uma etnografia de três pesquisas autorizadas por esse conselho envolvendo o acesso à biodiversidade e aos conhecimentos tradicionais. Nesta apresentação, gostaria de discutir um aspecto específico de duas dessas iniciativas, ambas levadas adiante a partir de uma parceria entre o Instituto Socioambiental e a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro: a participação de “pesquisadores indígenas” nos projetos. Essa proposta surgiu em um contexto de problematização política da relação entre pesquisadores e comunidades locais, visando instituir parâmetros mais justos e equitativos para o diálogo entre saberes. Enquanto os pesquisadores brancos concebem o papel dos índios nesses projetos a partir dos pressupostos ontológicos do objetivismo socioambiental e da “pesquisa intercultural”, os próprios pesquisadores indígenas pensam o engajamento nessas pesquisas a partir dos pressupostos ontológicos do perspectivismo e do multinaturalismo. Veremos como essas duas formas distintas de conceber a atuação desses jovens indígenas estão associadas a maneiras diferenciadas de colocar em prática o “diálogo” (pensado enquanto tradução) entre saberes no campo da biodiversidade. Nessa jornada, pretendo discutir alguns temas abordados na minha tese, como ontologia, práticas de conhecimento, objetivismo/perspectivismo e multiculturalismo/multinaturalismo.

“Cérebros masculinos” e “cérebros femininos”: análise das pesquisas biomédicas contemporâneas acerca do gênero e da sexualidade. Marina Fisher Nucci (IMS/UERJ)

RESUMO: Este trabalho teve como objetivo investigar concepções de gênero e sexualidade na produção biomédica contemporânea e no processo de construção do conhecimento científico, através da análise de artigos científicos contemporâneos. Nosso foco são pesquisas sobre a teoria dos hormônios pré-natais, que propõe que as diferenças entre homens e mulheres seriam determinadas, de modo inato, pelo cérebro dos indivíduos. Esta teoria parte do pressuposto de que há diferenças inatas e imutáveis entre o cérebro de homens e mulheres, e que essas diferenças são responsáveis pelas características e comportamentos “masculinos” ou “femininos”. Através da análise dessas publicações, procuramos refletir sobre a relação entre ciência e cultura, além dos ideais em torno da “masculinidade” e “feminilidade”, e da crescente difusão de um discurso naturalizante, que privilegia a busca por “bases biológicas” e “inatas” para os mais diversos tipos de comportamentos e características humanas.

Entre cientistas e “bancadas”: etnografando a genética de populações humanas – Rodrigo Ciconet Dornelles (UFRGS)

RESUMO: Este artigo é o resultado de reflexões proporcionadas por incursões de caráter etnográfico empreendidas em um dos principais grupos de pesquisa, no Brasil, que se identifica, ao menos em um primeiro momento, como sendo um grupo de pesquisa em genética de populações humanas. O objetivo deste artigo é mostrar o que grupo é esse, indicando que os agentes que estão ligados nesse contexto (ou fora dele), e algumas das redes e relações que estão sendo produzidas. Relações essas que não ficam restritas ao âmbito do grupo. Ou seja, o artigo pretende dar conta de vínculos e de redes que são estabelecidas a partir desse espaço, e não necessariamente nesse espaço. Ao seguir esse grupo de pesquisa, situado em um departamento de genética e vinculado a um programa de pós-graduação em genética e biologia molecular de uma das principais universidades brasileiras, uma das questões que surgiam e que este artigo procura dar conta é: como e por que membros desse coletivo também utilizam o termo antropologia biológica para identificarem o que fazem, levando em consideração que, no Brasil, não existe, instituída, uma associação específica na área e que há pouco – ou nenhum – espaço, por exemplo, em associações ou sociedades de antropologia, como a Associação Brasileira de Antropologia (ABA). Para realizar tal pesquisa, empreendi o que chamo de “etnografia a partir do laboratório”, que buscou, como o próprio termo sugere, transcender o espaço privilegiado de produção de conhecimento nessa área de pesquisa, que é o laboratório, dialogando e convivendo com os cientistas que integram esse grupo.

 

O Segredo como Modo de Produção de Subjetividade: seguindo as produções de um departamento de psicologia aplicada – Arthur Arruda Leal Ferreira; Natalia Barbosa Pereira; Julia Torres Brandão; Karoline Ruthes Sodré; Marcus Vinicius Barbosa Verly; Miguel e Bruno Foureaux (UFRJ)

RESUMO: Este trabalho visa trazer à cena os modos de produção de subjetividades produzidos por algumas práticas psicológicas, notadamente as clínicas. Contudo, tais práticas apontam para um claro problema em um trabalho de campo, pois como destaca Despret, a clínica psicológica se constitui a partir de um duplo espaço de segredo: 1) o oculto a ser buscado no enredo de vida do paciente, e 2) o sigilo como marca de competência profissional. Além da Epistemologia Política de Despret, a Teoria Ator-Rede de Latour, é convocada para o diálogo conceitual de nosso trabalho. Para estes autores, as redes científicas se produzem através dos modos de articulação entre pesquisadores e pesquisados. De modo geral, estes modos de articulação engendram um efeito de recalcitrância (problematização dos modos de pesquisar) ou docilidade (extorsão da resposta esperada) nos pesquisados. Para investigar alguns modos de articulação produzidos pelas clínicas psi, pesquisamos suas práticas na Divisão de Psicologia Aplicada da UFRJ, por meio de algumas de suas orientações: Psicanálise, Terapia cognitivo-comportamental, Gestalt-Terapia e Análise Institucional. Sendo a clínica um espaço fechado de segredo, estes modos de articulação estão sendo pesquisados por meio de entrevistas com clientes em início de terapia (mais tarde no final da terapia), estagiários, equipe de triagem e orientadores. Em tais entrevistas, os pesquisados são tomados como co-experts, visando aumentar a possibilidade de recalcitrância: se buscam suas versões sobre a natureza da psicologia, seus aspectos terapêuticos e seus efeitos na vida cotidiana. Nesta etapa nos detemos nas narrativas da equipe de triagem e dos usuários em início de terapia. Quanto à primeira, nosso interesse se voltou para os modos de negociação não lineares que existem para a entrada de novos usuários. Quanto à segunda, observamos grande número de respostas canônicas, revelando uma postura dócil frente à autoridade do psicólogo, encarnada pelos pesquisadores.

Gelo Seco: a colonização científica brasileira da Antártida – Luís Guilherme Resende de Assis (UNB)

RESUMO: “Avistagem, avistagem!” Essas palavras são proferidas via rádio por oceanógrafos brasileiros após identificarem uma baleia entre o horizonte e uma linha imaginária paralela, onde se situam seus olhos e binóculos. Eles estão interessados em estimar a população de cetáceos na Antártida. Recebida a mensagem, um cientista postado no passadiço acionará a tecla F1 do computador. Desencadeia-se então um processo variação ontológica nos diversos elementos relacionados na atividade. Baleia se transforma em ponto; propulsão e direção náuticas convertem-se em área avistada; ambiente vira contexto; olho torna-se instrumento matemático; o olhar, trigonometria; a Antártida, função da presença ou ausência de animais.“Dá máquina, dá máquina!”, ordena o oficial de serviço no passadiço, via rádio, ao praça “da máquina”, diante do perigo de colisão com icebergs que se encaminham para a rota proposta pelos oceanógrafos. Rota aprovada pelo Sr. Comandante do navio. A segurança do navio e, portanto, de sua tripulação, assume posição hierárquica superior à prática científica, mesmo que a variação de velocidade implique possíveis danos aos dados da “avistagem”. Mais variações ontológicas: rota é civil; velocidade, militar; hierarquia é segurança; propulsão, hierarquia.  Nesta apresentação debato a eficácia antropológica da etnografia das relações técnicas para a compreensão da colonização científica da Antártida. Relações técnicas travadas entre operadores logísticos militares e cientistas brasileiros à bordo do Navio Polar Almirante Maximiano. A abordagem das técnicas permite-nos conjugar dois aspectos inerentes às práticas de conhecimento: os câmbios ontológicos (da Antártida, das pessoas, dos objetos de estudo), concebidos de modo heurístico e a reprodução de sistemas (socioculturais e políticos) transcendentes. A sublimação do gelo seco é a metáfora-guia da apresentação, onde tanto as propriedades ontológicas, como a natureza da explicação antropológica variam bruscamente.

Entre phantoms, oncomouses e fragmentos corporais: etnografando interfaces corpo-tecnologia na práxis laboratorial – Marcos de Castro Carvalho (MN-UFRJ)

RESUMO: A partir de uma etnografia em andamento em um laboratório de ultrassom, o presente trabalho busca realizar uma primeira sistematização das práticas laboratoriais observadas tomando como foco de análise as heterogêneas interfaces entre corpo e tecnologia. O laboratório estudado é parte de um programa de pós-graduação em engenharia biomédica e congrega pesquisadores provenientes de distintas áreas de formação que, de uma maneira um tanto quanto simplificadora, poderíamos dividir entre os que advêm das “ciências da saúde” e aqueles oriundos das “ciências exatas”. Embora tais fronteiras de campos disciplinares não sejam tão interessantes quando lidamos com etnografia das ciências e das tecnologias (ou mesmo porque os pesquisadores em questão, apesar de claramente jogarem com essas divisões, também ressaltam a importância da fabricação de um referencial em comum), talvez possam ser esclarecedoras das coordenações necessárias entre os conhecimentos e práticas dos “experts do corpo” e dos “experts da máquina”. Posto isso, o objetivo desta apresentação é apontar para os quatro modelos ou variações de corpo que circulam pelo laboratório: os êmicamente denominados como phantoms, que são materiais e estruturas diversificados que visam mimetizar tecidos e componentes corporais; os oncomouses, necessários para os experimentos chamados in vivo a partir da biomicroscopia ultrassônica; os vários fragmentos corporais humanos e não-humanos (que podem ser ossos, fígados, pele, pulmões, seios..etc) que constituem a base das pesquisas denominadas in vitro. Por fim, existiria ainda uma quarta variação de modelos corporais que é aquela da simulação computacional, baseada ou não em experimentos “reais”. Tais modelos podem ser agenciados em dois tipos de experimentos com ultrassom, o diagnóstico – baseado na construção de imagens ultrassônicas – e o terapêutico – utilizado não para produzir imagens, mas sim para gerar elevação da temperatura e desestabilização das partículas do organismo.

“Eu Sou Angoleiro”: um laboratório da percepção – Patrícia Campos Luce (UFBA)

RESUMO: O artigo discute a prática da capoeira angola como processo de habilitação que constitui as pessoas e os ambientes aos quais estão engajadas. Para isto, foca a abordagem antropológica desenvolvida por Tim Ingold (2000), principalmente suas concepções de habilidade e percepção em diálogo com estudos sobre cinestesia no âmbito da dança contemporânea e com o trabalho de campo desenvolvido no grupo de capoeira angola “Eu Sou Angoleiro” de Belo Horizonte, Minas Gerais, no período de maio a outubro de 2010 – referente à pesquisa realizada para o Mestrado em Lazer da Universidade Federal de Minas Gerais. A pesquisa concluiu que uma técnica corporal não pode ser considerada apenas um meio para se chegar a um fim já que se trata de um modo peculiar de constituição de pessoas em sua totalidade. Este modo peculiar de técnica constitui, na prática cotidiana, o que os praticantes de capoeira angola (angoleiros) concebem como tradição e trata-se de um saber-fazer que tem o movimento como base de uma ontologia.

“Eu seria péssima pra estar na tua banca!” Observando observadores em confronto no debate perito sobre áreas protegidas e populações locais: implicações metodológicas e inconvenientes éticos – Cleyton Henrique Gerhardt (UFRGS)

RESUMO: No âmbito científico, o debate sobre populações locais e áreas protegidas tem mobilizando a atenção de um número expressivo de cientistas. Se há um consenso entre eles, é que estamos diante de um contexto discursivo caracterizado por ácidos confrontos acadêmicos. Diante disso, passei a procurar interagir com alguns destes especialistas (vindos de diversas áreas do conhecimento) com vistas a observar o universo controvertido que marca sua atuação entre as fronteiras da ação política e do fazer acadêmico. Porém, logo no início do trabalho no campo, quando fui, de fato, atrás destes cientistas, algumas indagações vieram à tona. O que acontece quando alguém do “baixo clero” da confraria científica (um doutorando em ciências sociais) se coloca na situação de pesquisador de pesquisadores do “alto clero”, profissionais já reconhecidos em suas diferentes áreas de atuação? Como proceder em um campo discursivo belicoso, em que as pessoas que dele participam se acham em permanente estado de confronto e discordância? Ao instituir uma relação argumentativa-provocativa com meus interlocutores, trazendo diferentes pontos de vistas presentes no debate sobre áreas protegidas e populações locais, o que se passaria com aquela prévia e posterior “vantagem sorrateira” de que fala Viveiros de Castro e que o pesquisador normalmente possui diante dos “nativos”? Por outro lado, ao procurar apenas especialistas, não estaria correndo o risco de cometer um duplo ocultamento dos principais interessados nesta discussão (isto é, as próprias populações locais atingidas pela instituição de áreas protegidas), silenciando e retirando poder de grupos sociais minoritários ou com pouca força política para interferir nas instâncias decisórias competentes? A partir destes questionamentos e da descrição de situações específicas ocorridas entre um “observador de observadores” e outros “observados observadores”, discuto no texto algumas implicações metodológicas e inconvenientes éticos decorrentes do tipo de relação que então se estabeleceu.

O Mistério da Selic – Hugo Loss (UNB)

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo apresentar uma discussão acerca do hermetismo das instâncias científicas do Estado. Para isso, partirei da minha experiência etnográfica junto ao Departamento de Estudos e Pesquisa do Banco Central do Brasil (Depep). Este Departamento é responsável por elaborar os índices, indicadores e projeções econômicas que balizam as decisões do Copom (Comitê de Política Monetária) sobre as altas e baixas da taxa básica de juros, a Selic. Iniciei minha pesquisa através do estudo e mapeamento dos elementos constitutivos das atas de reunião do Copom, disponíveis no site do Banco Central. A partir daí entrei em contato com a chefia do Depep para agendar uma visita ao Departamento. O artigo é concluído com relatos etnográficos de minhas visitas ao Depep e das restrições que foram impostas às minhas iniciativas de pesquisa.

Transbordamentos da regulação: visualizando mercados na política antitruste – Gustavo Gomes Onto (MN-UFRJ)

RESUMO: O julgamento de um caso de política antitruste (também conhecida como política de defesa da concorrência) em agências governamentais requer uma análise econômico-legal extremamente complexa. Neste processo, nenhum outro passo é considerado mais importante do que a delimitação do “mercado relevante”, isto é o enquadramento de um mercado abstrato onde a concorrência entre duas empresas pode ser avaliada. Somente ao se determinar precisamente os limites de um mercado é possível prosseguir com o exame detalhado dos benefícios ou prejuízos de uma prática competitiva de uma empresa. Este artigo busca descrever o procedimento técnico levado a cabo por economistas dentro e fora das agências reguladoras na construção do conceito de “mercado relevante” tomando como foco a impossibilidade de enquadramento perfeito de um mercado “real”. Argumenta-se que em um processo administrativo antitruste, os transbordamentos das relações constitutivas de um mercado, implícitos no cálculo de enquadramento, são vistos, por um lado, como problemas epistemológicos pelos reguladores e, por outro, como soluções técnicas para os consultores econômicos. As duas diferentes perspectivas representam dois modos de lidar com a técnica econômica e, consequentemente, com relação entre teoria e realidade dos mercados. É na relação entre essas perspectivas que a regulação formal dos mercados constrói-se no âmbito do direito concorrencial.

Musculação: construção do corpo simbólico de macho – Neuza Cristina Gomes da Costa (UNED)

RESUMO: O presente estudo é produto de uma pesquisa etnográfica realizada em uma academia na cidade de Cuiabá, Mato Grosso. A análise parte dos pressupostos de Pierre Bourdieu a propósito da dominação masculina. Tem-se a academia como um campo de poder, e a prática da musculação como um meio para se alcançar o corpo ideal de macho: corpo musculoso que representa um capital simbólico a ser adquirido. Verifica-se uma divisão sexual delimitada no espaço físico: a limitação da circulação de homens no espaço feminino (exercícios dos membros inferiores do corpo e área de ginástica) e das mulheres no espaço masculino (exercícios dos membros superiores do corpo). A musculação é percebida e considerada como domínio masculino, pois é necessário força e disciplina para o ganho muscular, sinônimo de virilidade, atributos que para os praticantes, as mulheres não possuem. Os homens competem entre si e situações de fraqueza física são ironizadas, onde são comparados a mulheres, através de expressões tais como: “seu fraco, está parecendo mulherzinha”; “até a menina levanta mais peso do que você”. Esta última fala referenciava-se a mim, pois, em função de praticar futebol americano, preciso circular entre os “espaços” masculinos e femininos Pela invasão no espaço masculino, há olhares reparadores examinando a definição de meus músculos, além de questionamentos sobre os objetivos do meu treino por ambos os sexos. Verifica-se também alta rotatividade das mulheres: a média de permanência na academia é de um mês, enquanto, para o sexo oposto, há assiduidade. Aqueles que não desempenham seu papel de gênero neste campo, são objetos de observações, julgamentos, questionamentos e até de exclusão. Neste sentido, percebe-se a academia como um campo que produz e reproduz a estrutura da dominação masculina e a musculação como um instrumento de poder simbólico, que denota relações de poder e dominação, de uma forma invisível e naturalizada.

Devir catastrófico da tecnociência nuclear – Suzane de Alencar Vieira (MN/UFRJ)

RESUMO: A recente crise nuclear de Fukushima atualizou de modo dramático o debate público sobre energia nuclear no país e tensionou o campo de saberes da engenharia e da física nuclear. Apresento alguns pontos da abordagem cosmopolítica das práticas e saberes da tecnociência nuclear sob o signo da catástrofe. Nos debates e notas explicativas produzidas durante a crise nuclear, travaram-se lutas simbólicas entre forças do caos e leis da ordem. Engenheiros e cientistas ganharam espaço nos meios de comunicação para controlar no plano discursivo as fissuras no cosmos provocadas pelos acontecimentos. Os pronunciamentos vindos do campo científico sobre a catástrofe foram conduzidos por um esforço enunciativo de estabilizar e reduzir a catástrofe a sistemas de segurança e reinseri-la em um cosmos. Controle numérico, escalas logarítmicas, mapas da contaminação mobilizados para cercar e dimensionar a catástrofe constituem maneiras de domesticá-la como vetor de conhecimento para incrementar novas técnicas de controle e de medida. Porém, a catástrofe, enquanto vetor de risco e centro dinâmico da cosmopolítica nuclear, tende a ameaçar a razão científica e desestabilizar a segurança ontológica das práticas e saberes nucleares. Essa comunicação pretende acompanhar a construção discursiva de realidades ontológicas associadas à energia nuclear e atualizar o tema antropológico clássico da cosmologia no campo de investigação da antropologia da ciência

 

Pontos de vista indígenas sobre as ciências e as técnicas. O caso da piscicultura na Escola Indígena Baniwa e Coripaco Pamáali (médio rio Içana – AM) – Milena Estorniolo (USP)

RESUMO: A piscicultura na Escola Indígena Baniwa e Coripaco Pamáali teve início em 2004, em uma parceria entre a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), a Organização Indígena da Bacia do Içana (OIBI) e o Instituto Socioambiental (ISA), visando à segurança alimentar das comunidades diante da alegação de escassez de peixes na região. Para desenvolver as atividades, os futuros coordenadores da estação de piscicultura da escola receberam treinamento de assessores do ISA e fizeram estágios em São Paulo e em outras estações de piscicultura existentes na região do Alto Rio Negro, para entrarem em contato com as técnicas de reprodução artificial de peixes em laboratório. O objetivo da apresentação é mostrar de que maneira o conhecimento baniwa passou a interagir com o conhecimento científico após a implantação da criação de peixes na escola. Para tanto, recorrerei às interpretações do coordenador da piscicultura a respeito das ciências e das técnicas, por ele ser um “tradutor” privilegiado entre as lógicas das duas formas de conhecimento. Mostrarei que ele, ao invés de pensar os conhecimentos e técnicas de piscicultura como contraditórios com o conhecimento baniwa sobre os peixes, os insere em um esquema mais amplo em que os conhecimentos científicos podem servir para recuperar e entender os conhecimentos indígenas.

 

Brincando de fazer renda – Júlia Dias Escobar Brussi (UNB)

RESUMO: O trabalho pretende abordar os jogos e brincadeiras enquanto elementos constitutivos do processo de aprendizagem. A partir das narrativas e memórias de rendeiras de bilros residentes do povoado de Alto Alegre (CE), acerca das suas próprias experiências como aprendizes, busco relacionar os aspectos lúdico, social e técnico de tais práticas. Nesse sentido, enfocarei dois casos que ilustram momentos distintos do processo de aprendizagem das rendeiras: a iniciação aos instrumentos e as competições das rendeiras já moças. As crianças são introduzidas ao “mundo da renda” de maneira precoce e no ambiente familiar, já que se trata uma produção doméstica. Ao brincar com bilros, espinhos e almofadas improvisados, as crianças aprendem a manusear os instrumentos e, lentamente desenvolvem a habilidade necessária para a produção da renda de bilros. Posteriormente, quando já adquirem um domínio maior da técnica, as moças se reunem para cumprir sua tarefa diária de renda. O aspecto socializador de tais encontros é enfatizado pelas rendeiras, assim como as competições que promoviam para saber quem era a mais rápida com os bilros. A renda caracteriza-se, assim, enquanto uma brincadeira para as crianças e uma distração, uma diversão para as jovens. Não obstante seu caráter lúdico, podemos destacar que o movimento, as cores e o som produzidos pelo bater sucessivo dos bilros mobilizam os sentidos e auxiliam o processo de “educação da atenção” pelo qual o aprendiz, progressivamente, adquire sua prática e se integra à “comunidade de prática”. Além disso, as competições também promovem a aceleração da produção e o aperfeiçoamento da habilidade (skill).

A Construção da Antropologia como Ciência na Espanha: nações, histórias e memórias – Christina de Rezende Rubim (UNESP)

RESUMO: A problemática desta pesquisa é compreender a antropologia espanhola, sua construção histórica, institucionalização e a sua pretensa “invisibilidade” no cenário mundial, principalmente o Brasil. O que os antropólogos espanhóis costumam chamar de “leyenda negra”. A pesquisa enfatizará a construção da antropologia como uma ciência apegada essencialmente à construção da nação, que para alguns autores espanhóis e não-espanhóis é ainda um problema nos dias de hoje. Uma pesquisa que terá como objetivo a compreensão das chamadas antropologias periféricas quando comparada com as ditas antropologias centrais, que desconfio, é uma falácia. Nesta reflexão existem alguns conceitos centrais que fundamentam a metodologia proposta. A comparação é uma ferramenta para compreendermos essas diferenças, a alteridade que faz de nós, seres que relativizam o humano. A história deve ser pensada como um processo e o contexto como um fluxo em constante transformação. O conceito de transformação nos remete, por sua vez, ao conceito de ciências humanas, ou seria melhor dizer humanidades, já que a palavra ciência está impregnada historicamente de significados como o de determinismo, objetividade, neutralidade e verdade. Enfim, este é o nosso marco teórico que tem como problemática a ciência e a antropologia em particular, como verdade absoluta ou como humanidades; suas histórias nacionais, suas singularidades, seu projeto e atualidade no mundo contemporâneo. O encontro entre estas diferentes antropologias que cada vez mais se realiza e se torna urgente. A quem interessa (ou não interessa?), o conceito de centro e periferia, se é que, de fato, estes conceitos resistam a análises mais apuradas e antropologicamente significativas? Os interesses privados e públicos, a luta pelo poder, a instituição acadêmica como representação deste contexto, é o que permeia esta discussão.

Remendar e Trocar: Sobre a técnica das coisas em Raposa-MA – Simone Miranda Soares (UNB)

RESUMO: Raposa é uma localidade cuja população se concentra em duas atividades principais: a pesca e a produção de renda. Se por um lado, há o envolvimento masculino com os instrumentos de pesca, principalmente o trato com as redes pelo remendar, há também o fazer rendas por parte das mulheres, que ao trocar os bilros, participam desde ambiente de atividades manuais com linhas dos moradores. Este trabalho procura destacar a cadeia operatória (Cf. SCHLANGER, 2005) que envolve a renda de bilro e a rede de pesca na operação de remendo e a ação das coisas que participam das relações técnicas com rendeiras e pescadores. O texto se propõe a “seguir” as coisas, e conseguir demonstrar, pela descrição dos processos técnicos, não só suas ações, mas também sua participação nesse ambiente englobante de atividades manuais que constitui o cotidiano dos raposenses. As ações técnicas operam sentidos que afetam humanos e não humanos. Dessa forma, destaco a realidade que vem à tona neste fazer/fabrico cujas ações englobam pessoas, coisas, ritmos e o tempo. O fazer renda de bilro é um processo cujo engajamento se dá a partir de um ritmo que conjuga o movimento de todo o aparelho (a almofada, os bilros, os moldes, a linha…) com os gestos humanos. Assim, é impossível operar os movimentos com sucesso sem adentrar neste ritmo que engloba as coisas em ação e os gestos da rendeira. Por outro lado, a operação de remendar redes de pesca realiza uma presentificação das pescarias e a continuação da relação pescador/rede no espaço e no tempo, empregados na forma cotidiana e doméstica dos trabalhos manuais com linhas. Tais movimentos precisam entrar na atmosfera integrada de ações entre humanos e não humanos. O ritmo do trocar os bilros e um universo inscrito na rede nos ajuda a demonstrar de forma inequívoca as relações intrínsecas entre humanos e não humanos em seus fazeres ordinários.

Parentesco indígena como técnica – Eduardo S. Nunes (UNB)

RESUMO: Este trabalho tem como objetivo tentar definir o parentesco indígena como uma técnica. Os estudos sobre técnica se concentraram, inicialmente, sobre mundo material, enfocando muitas vezes a cultura material e a produção de coisas. Essa ênfase já foi largamente criticada, mas as pesquisas recentes parecem reter dela um traço elementar: a produção de um efeito sobre o mundo material. Mas como pensar a técnica em um mundo, como o ameríndio, no qual inexiste a divisão entre as dimensões do material e do imaterial? Essa diferença é condizente com o contraste feito por Roy Wagner entre dois modos de criatividade, um (o nosso) voltado para a produção de coisas e o outro (o indígena) voltado para a produção de pessoas. Uma técnica ameríndia, assim, não pode ser definida como a ação de um sujeito (resultado de sua volição imaterial) sobre um objeto (matéria bruta) para transformá-lo em um artefato, por exemplo. Antes, ela seria definível como uma relação em que pessoas produzem pessoas, e nas qual os “objetos” entram como meio, participando do processo de assemelhamento corporal que é o cerne do parentesco, e não como fim. Mas se há sujeitos em ambos os lados da relação produtor-produzido, eles não estão em posições simétricas. Pois para os ameríndios, pessoas, como resultado do trabalho de outras pessoas, são objetificáveis. No âmbito do parentesco, os filhos estão na posição de “objeto” para os sujeitos que os produzem: seus pais e avós. Assim, é possível voltar a uma definição positiva de técnica para o mundo indígena: o parentesco pode ser definido como uma técnica porque trata de ações produtivas de sujeitos sobre objetos, com a observação importante de que, em um mundo que prescinde da divisão entre o material e o imaterial, esses atributos não são fixos em zonas distintas do cosmos, mas propriedades flutuantes, por assim dizer. Uma criança, objeto produzido por seus pais e avós, tanto é um sujeito, quando inserida em outros nexos de relações, quanto é produzida para futuramente produzir, como um sujeito, outras crianças-objetos.

Segurança e eficácia de inibidores de apetite: notas de uma controvérsia sócio-técnica – Rosana Castro (UNB)

RESUMO: Em 2010, áreas técnicas da Anvisa recomendaram à agência que suspendesse o registro de quatro inibidores de apetite, argumentando que os perfis de segurança e eficácia desses medicamentos eram insatisfatórios do ponto de vista sanitário. Diante da possibilidade de drástica redução no arsenal terapêutico, sociedades médicas especializadas em endocrinologia, metabologia, nutrologia e estudo da obesidade contestaram a recomendação da Anvisa, apresentando evidências científicas e argumentos que atestariam a eficácia e segurança dos medicamentos avaliados. A partir de etnografia realizada em debates públicos sobre o tema, propõe-se a problematização dos parâmetros e argumentos que sustentam as posições em contraste, analisando-se, sobretudo, como os grupos envolvidos disputam política e moralmente pela definição do que seja um medicamento seguro e eficaz para o tratamento da obesidade.

Tecnologia Videográfica e Pesquisa Etnográfica: considerações teórico-metodológicas e ressonâncias do fantástico e das lentes – Aline Quiroga Neves (UFPE)

RESUMO: Voltada, sobretudo para o registro das técnicas materiais e rituais e mais tarde para as palavras e as sonoridades, como se orienta atualmente, no âmbito da pesquisa etnográfica, a antropologia visual? Este trabalho discute o estatuto das imagens na produção do conhecimento antropológico, sejam elas objetos, produtos ou meios na pesquisa etnográfica. Ele analisa a prática videográfica sob propostas metodológicas que vão além da utilização das imagens animadas como instrumento de registro. Nesse sentido, a partir das experiências e análises imagéticas reflete-se sobre as especificidades e as potencialidades, tentando tecer algumas considerações teórico-metodológicas a respeito da utilização da tecnologia videográfica na pesquisa de campo em Antropologia. Como resultado, observamos fragmentações destes encontros e desencontros entre a tecnologia videográfica e a pesquisa etnográfica, de modo que o vídeo fornece um meio de estabelecer diálogo entre o antropólogo e os sujeitos – empregando a noção de etnografia visual em um estudo sobre narrativas orais fantásticas. Dessa forma, os narradores estetizam as suas memórias e as transformações ocorridas na paisagem de seus territórios e em suas condições de vida, formulando relações imagéticas para contar suas experiências que, por sua vez, são captadas pela câmera em um movimento que privilegia os entrecruzamentos.

Heterogeneidade e tensionamento: um olhar etnográfico sobre a construção do conhecimento em saúde – Graziele Ramos Schweig (UFRGS)

 RESUMO: Muitas pesquisas antropológicas que enfocam a produção do conhecimento científico na área da saúde têm apontado para os condicionantes sociais e culturais que permeiam a constituição do saber biomédico. Nestes trabalhos, observa-se um viés “culturalista”, a partir do qual é assumida uma oposição a priori em relação ao que é considerado “natural” ou “biológico” na produção do conhecimento. No estudo aqui apresentado, diferentemente de uma postura que assume previamente um dos lados na Divisão “natureza” e “cultura”, proponho um olhar sobre o processo de produção dessas dicotomias desde dentro do campo da saúde. Nesse sentido, apresento como campo empírico o processo de aprendizagem de estudantes de cursos de graduação da área da saúde, onde busco situar os tensionamentos existentes entre um estilo de pensamento pautado pela “biologização” e outro, pautado pelo que chamo de “politização” e “culturalização” do conhecimento. Assim, a partir de uma abordagem etnográfica, busco identificar as circunstâncias nas quais explicações “biológicas” e “socioculturais” acerca de determinados fenômenos são acionadas de modo a constituir o conhecimento e as perspectivas de atuação profissional em saúde. Por meio da análise de entrevistas, pode-se perceber que o percurso de formação e construção do conhecimento aparece pautado por uma ambigüidade entre “natureza” e “cultura”, onde saberes necessários ao desempenho profissional são constituídos de acordo com a trajetória do estudante dentro de um campo de possibilidades variado, apontando para uma heterogeneidade de experiências formativas que são elencadas como definidoras do equacionamento dessa tensão.

Contra a carne, a favor da carne: os discursos da ciência, da inovação e da sustentabilidade como tropos retóricos nos conflitos envolvendo a carne bovina no Brasil – Caetano Sordi (UFRGS)

RESUMO: De acordo com o IBGE, o Brasil possui a segunda maior população bovina do mundo. Com um consumo per capita de 34,7 quilos por habitante, é o segundo maior produtor de carne bovina atrás dos Estados Unidos, sendo simultaneamente o maior exportador mundial deste produto. Em paralelo a esta dinâmica de crescimento do sistema-carne, tem-se verificado, nas últimas décadas, a emergência de tenazes discursos críticos à pecuária e ao consumo de carne em geral, sejam eles vinculados à militância por direitos e bem-estar animal, ou às questões envolvendo o meio-ambiente e a saúde humana. Neste trabalho, analisamos as maneiras através das quais o sistema-carne brasileiro, no âmbito de suas entidades e aliados institucionais, tem reagido, na esfera pública, aos opositores da carne, sua militância e seus argumentos. Ressaltamos a importância da “ciência”, da “inovação tecnológica” e da “sustentabilidade” como tropos retóricos neste debate, e refletimos como o discurso de modernização técnico-científico do pastoralismo – entendido como um regime de engajamento sócio-ecológico (Ingold, 2000) – age sobre as relações entre o agronegócio e as demais esferas da sociedade no Brasil. Este trabalho vincula-se ao projeto de pesquisa “Espelho Animal: Antropologia das Relações entre Humanos e Animais”, coordenado pelo Prof. Bernardo Lewgoy.

O encontro entre dois mundos científicos na arena da saúde pública: o da virologia ambiental e o da antropologia da ciência – Carlos José Saldanha Machado (FIOCRUZ)

RESUMO: Existe um consenso no mundo contemporâneo sobre a importância vital das ciências para o desenvolvimento pessoal, social, econômico e político. Este reconhecimento é expresso através do crescente investimento em pesquisa científica e tecnológica. Contudo, somente financiar pesquisa científica não é suficiente para produzir conhecimentos e propor soluções para problemas complexos que se manifestam em diferentes espaços geográficos, e ao longo do tempo histórico, com os de saúde pública. Para que as ações de inventário, avaliação, diagnóstico e busca de soluções para as doenças persistentes, emergentes, re-emergentes, negligenciadas e raras sejam empreendidas e alcançadas, é preciso também que haja a colaboração entre profissionais com diferentes formações educacionais, tais com as biociências e as ciências sociais. O objetivo deste trabalho é descrever e analisar uma interação, em curso, no espaço de uma Instituição Pública de Pesquisa em Saúde, entre um antropólogo da ciência, especialista no estudo das relações entre ciência, tecnologia e políticas públicas em saúde e em meio ambiente, e uma viróloga ambiental, especialista no desenvolvimento de metodologias de diagnóstico para detecção e caracterização molecular de vírus presentes em ecossistemas aquáticos e responsáveis pelas gastrenterites agudas. O trabalho é concluído com uma sistematização das características e limites da literatura sobre colaboração científica e a formulação do conceito alternativo de “altruísmo pragmático” para apreender o tipo de interação praticada entre dois pesquisadores na arena da saúde pública brasileira.

 As semi-vidas: anotações sobre um experimento em bioarte – Rafael Antunes Almeida(UNB)

RESUMO: Na última década Oron Catts e Ionat Zurr fundaram o Tissue Culture & Art Project, uma organização dedicada à produção de objetos artísticos fazendo uso de técnicas de engenharia de tecidos. Desde então eles organizaram um grande número de exposições nas quais era possível aos visitantes tomarem contato com algumas classes de obras, como uma orelha humana produzida por meio do cultivo de células humanas em uma moldura que reproduzia completamente o seu formato, músculos esqueléticos de sapos cultivados em condições laboratoriais que posteriormente figurariam como alimento disponível para consumo e asas criadas através do cultivo de células de porcos. Os processos artísticos implicados no Tissue Culture & Art Project buscavam construir esculturas feitas a partir de engenharia de tecidos, que podiam ser mantidas em um aparato específico chamado biorreator, o que tornava possível a elas conservarem suas vidas independentemente da associação com os organismos de onde foram retiradas suas células. O bioreator permitia que as esculturas fossem alimentadas e também tornava possível que a equipe controlasse as condições ambientais, mantendo vivas as esculturas. Como estes organismos eram mantidos vivos,proliferavam fora dos seus corpos originais e dependiam de condições particulares para  que não desaparecessem, o Tissue Culture & Art Project decidiu nomeá-las de semi-vidas. As semi-vidas são entidades que colocam em questão nossas noções correntes de artificial, humano, natural e cultural, uma vez que estes organismos não podem ser facilmente classificados em nenhum destes termos. Em parte eles não podem sobreviver fora de condições laboratoriais específicas e também fora dos seus corpos originais, mas também conservam uma autonomia interna que permite que as células se reproduzam por si mesmas. Por outro lado, são artefatos, mas deve ser considerado que, apesar de sua existência ser mediada por uma processo técnico, as células originais foram retiradas de organismos vivos. Nossa intenção neste trabalho é levar estes experimentos artísticos a sério, analisando suas implicações para nossas noções correntes de humano. Se considerarmos que as idéias euro-americanas sobre os humanos sempre foram determinadas por a) nossas idéias sobre o que são os animais, b) nossas idéias sobre o corpo e c) e as diversas suposições sobre a autoconsciência, é oportuno perguntar-se sobre que mudanças em relação aos entendimentos euro-americanos sobre aquilo que conta como um humano assistiríamos com a introdução destas outras classes de seres, que são, de fato, híbridos e que possuem como única lei de sua composição a transgressão de várias formas de dualismos.