A Sétima Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia (VII ReACT) ocorreu entre os dias 7 e 10 de maio de 2019, com atividades no campus da Universidade Federal de Santa Catarina em Florianópolis (SC).

A ReACT tem como intuito promover um intenso e reflexivo debate que discuta o potencial e as contribuições da Antropologia na construção de perspectivas acerca das ciências/conhecimentos/saberes, das tecnologias/técnicas/inovações, e das relações entre estas e as formas de constituição da vida e do futuro. O evento, desde suas edições anteriores, tem se convertido em um importante fórum de discussão sobre pesquisas, objetos, abordagens e perspectivas teóricas/epistemológicas do campo da Antropologia da Ciência e da Tecnologia (ACT), em interface com outras matrizes disciplinares e campos de atuação.

Desenvolvimento e relevância do campo da Antropologia da Ciência e Tecnologia

A atenção às formas de produção de conhecimento e tecnologia se constituiu como objeto privilegiado na compreensão da cultura e das relações sociais, desde os primórdios da antropologia. Muitos dos chamados “clássicos” da disciplina, como Franz Boas, Bronislaw Malinowski, Marcel Mauss, E. E. Evans-Pritchard e Claude Lévi-Strauss, dedicaram atenção explícita a esses temas. É a partir dos anos 60, no entanto, que se observa a constituição de um campo de estudos, com relativa e crescente autonomia, onde ciência e tecnologia passaram a ocupar posição central como objeto de análise. Desde então, os estudos sociais da ciência e tecnologia, também conhecidos como CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade), se avolumaram e se diversificaram, caracterizando-se, hoje, por grande diversidade criativa na delimitação de objetos empíricos e marcada heterogeneidade analítica e interpretativa.

Inspirados por desenvolvimentos no campo da filosofia da ciência, por um lado, e pelo crescente número de trabalhos etnográficos em que técnicos e cientistas figuram como membros dos coletivos pesquisados, por outro, os trabalhos de antropólogos sobre as ciências e tecnologias têm assumido uma perspectiva explicitamente simétrica – ou seja, na qual conhecimentos científicos e tecnológicos são estudados na prática de seus contextos sociais, culturais e políticos específicos. O ponto central é o entendimento das produções dos conhecimentos técnicos e científicos como atividades nem bem humanas e nem bem não-humanas, e que em todo caso sofrem interferências das chamadas relações sociais e políticas nas quais são gestadas e as quais gestam. Nesse sentido, são as próprias noções de “relação”, de “social” e de “político” que aí mesmo se vêem em causa e reclamam re-conceitualizações. Vale destacar que o intuito não é sugerir que, em decorrência desses fatores, as ciências são menos “confiáveis” do que supõe o senso comum; ao invés disso, busca-se refletir sobre a construção da própria legitimidade social dos processos tecnocientíficos. Ao assumir o conhecimento como produto e produtor de um pensamento cultural e politicamente contextualizado, consideram-se, simetricamente, vozes de cientistas, de engenheiros, de ativistas, de movimentos sociais, de populações que trabalham com conhecimentos e tecnologias tidas como “tradicionais”, entre outros.

Uma das mais importantes contribuições do estudo antropológico da ciência e da tecnologia é a problematização do caráter individual do conhecimento e da habilidade técnica. Estes passam a ser entendidos como parte de diferentes comunidades políticas (senão cosmopolíticas) que aportam, por sua vez, distintos significados a contemplar e problematizar a produção de inovação, ciência e tecnologia. Neste contexto, os estudos sociais da ciência e da tecnologia se voltaram, em um primeiro momento, para o questionamento da ciência como prática isolada e neutra, fechada em si mesma; em seguida, a pesquisa voltou-se para o estudo de como o conhecimento é percebido e apreendido pelas mais distintas esferas sociais, e os efeitos de tais formas de percepção na constituição do real. Atualmente, o campo da antropologia das ciências e das tecnologias moveu mostra-se excepcionalmente rico em possibilidades: onde a produção teórica de muitos de seus principais autores combina um grau de sofisticação conceitual e metodológico inédito com uma dimensão mais propriamente especulativa – onde o pensar etnograficamente se apresenta como atividade a uma só vez filosófica e política. É neste contexto que o compartilhamento do mundo e da vida com outros seres e subjetividades, propiciado pela atividade etnográfica, é entendido como um modo de existência mais alinhado com os desafios – ecológicos, sociais, civilizacionais, espirituais – que temos adiante de nós.

Com esse pano de fundo, a VII ReACT busca promover diálogos e vivências  entre distintos agentes implicados na produção de mundos e realidades tecnocientificamente mediados. Para tanto, o evento buscará problematizar as relações entre ciência, tecnologia, natureza, vida e futuro, bem como os modos de ver, definir e intervir em um mundo tecnocientificamente constituído.

Considerando o panorama das produções recentes em pesquisa na área e a agenda de temas de crescente relevância que devem merecer a atenção reflexiva dos pesquisadores, definimos os eixos transversais que pretendem orientar as discussões das mesas redondas e simpósios temáticos na sétima edição do evento:

  • A antropologia das tecnociências em relação ao campo dos Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia;
  • Multiplicidade de perspectivas teóricas e metodológicas na antropologia da ciência e da tecnologia;
  • Direitos, tecnologias de governo e cidadanias;
  • Políticas globais e efeitos locais relativos às inovações tecnocientíficas;
  • Relações multiespecíficas na constituição do mundo e da vida;
  • Transformações climáticas, crise ambiental e o Antropoceno em distintas perspectivas et(n)icocientíficas;
  • Transversalidades entre ciência, técnica, religião, política, arte, gênero;
  • Corpo, saúde, biomedicina e tecnociência;
  • A questão ontológica e as relações entre a antropologia das tecnociências e a filosofia;
  • Ressonâncias dos estudos da ciência e tecnologia no ensino, teoria e pesquisa antropológicas

Histórico das edições precedentes da Reunião Brasileira de Antropologia da Ciência e da Tecnologia

As iniciativas descritas acima demonstram a mobilização de uma rede extensa e crescente, a relevância desse tema no cenário acadêmico contemporâneo, a importância da consolidação de uma periodicidade às reuniões dedicadas à reflexão sobre esta temática (as ReACTs), e a participação ativa de diversos pesquisadores envolvidos nesse processo, entre os quais os coordenadores da presente proposta, bem como a comissão científica selecionada. Ao mesmo tempo em que abordagens etnográficas se tornam cada vez mais importantes para os Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia, o diálogo desse campo com a Antropologia da Ciência e da Tecnologia se faz ainda mais presente, conformando um espaço dinâmico de reflexão e debates, no qual as Reuniões de Antropologia da Ciência e da Tecnologia (ReACTs) vêm se firmando, ao longo de suas cinco edições já realizadas.

A primeira edição da Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia (I ReACT) ocorreu em setembro de 2007 no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Contando com o apoio do Programa de Pós-graduação em Antropologia Social (PPGAS) do Museu Nacional (UFRJ) e do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA) do IFCS/UFRJ e articulando-se em torno de pesquisadores vinculados ao Grupo de Estudos de Antropologia da Ciência e Tecnologia (GEACT), a primeira Reunião, organizada por iniciativa do doutorando em Antropologia Social Orlando Calheiros (MN/UFRJ), contou com a presença de vários antropólogos brasileiros, além de historiadores e outros cientistas sociais atuantes no país, que apresentaram e debateram resultados de pesquisas então em curso na área.

Segunda Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia (II ReACT) ocorreu em maio de 2009 na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FAFICH) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Coordenada por Eduardo Viana Vargas e realizada pelo Laboratório de Antropologia das Controvérsias Sociotécnicas (LACS) e pelo Programa de Pós-graduação em Antropologia (PPGAN) da UFMG, a II ReACT contou ainda com a participação de pesquisadores da UnB, USP, Unicamp e UFRJ em sua comissão organizadora. A segunda edição da ReACT foi marcada por um significativo aumento no número de participantes, entre palestrantes e ouvintes. Este fato já atestava o interesse crescente do público acadêmico brasileiro pelos estudos sociais da ciência e, em especial, pela ACT.

Terceira Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia (III ReACT) realizou-se na Universidade de Brasília (UnB), em outubro de 2011, por iniciativa do Laboratório de Antropologia da Ciência e da Técnica (LACT), vinculado ao Programa de Pós-graduação em Antropologia Social (PPGAS) da UnB. Coordenada por Guilherme José da Silva e Sá, e com uma comissão organizadora composta por membros da UnB, USP, Unicamp e UFMG, a reunião mobilizou em torno de 150 pesquisadores de diversas instituições brasileiras e internacionais em torno de temas relacionados ao campo da ACT, como: práticas de conhecimento, tecnociências, corpo e técnica, coletivos humanos e animais.

Quarta Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia (IV ReACT) ocorreu em setembro de 2013 no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Coordenada por Marko S. Monteiro (DPCT/UNICAMP), Pedro P. Ferreira (IFCH/UNICAMP) e Daniela T. Manica (IFCS/UFRJ), a reunião mobilizou em torno de 170 pesquisadores de diversas instituições brasileiras e internacionais. O encontro refletiu acerca de um histórico possível para a ACT, contribuindo para um mapeamento de trabalhos no campo brasileiro, pensando as suas inter e transdisciplinaridades, assim como as especificidades da abordagem antropológica no mesmo. É importante ressaltas que o III e o IV ReACT contaram com transmissão ao vivo das atividades.

Quinta Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia (V ReACT) ocorreu em maio de 2015 no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) sa Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre. Coordenada por Claudia Fonseca, Fabiola RohdenPaula Sandrine Machado , Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social – PPGAS/UFRGS). Esta edição teve como proposta temática aprofundar discussões que tangenciam os nexos entre ciência, tecnologia, cultura e poder. O evento controu com a participação de mais de uma centena de pesquisadores. A participação de pesquisadores estrangeiros, especialmente de Portugal, Holanda, Argentina, França e Estados Unidos, colaborou com a crescente internacionalização da rede ReACT.

Sexta Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia (VI ReACT) ocorreu na cidade de São Paulo, em maio de 2017, e através da colaboração de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Dentro destas universidades, destaca-se a presença dos grupos de pesquisa integrantes da rede ReACT, a saber o Laboratório de Pesquisas em Interações Sociotecnicambientais (LISTA), na UNIFESP (coordenado por Renzo Taddei), e o Laboratório de Estudos Pós Disciplinares (LAPOD), da USP (coordenado por Stelio Marras e onde Joana Cabral de Oliveira é pesquisadora). O enfoque particular desta edição do evento é discutir os papéis da antropologia, em geral, e da antropologia das ciências e das técnicas, em particular, em um contexto de transcendência de fronteiras conceituais, analíticas e existenciais, dentro de um panorama de crise a uma só vez ambiental e civilizacional. As discussões buscarão explorar o caráter de intervenção criativa da antropologia, nas fronteiras de discussões temáticas que exploram os limites dos conceitos de “espécie” (com seu papel fundamental na história das ciências ocidentais); da distinção dos meios aéreos, terrestres, aqüíferos e subterrâneos; das formas estabelecidas de fronteiras de pensamento e ação especulativa, sejam eles positivados pela tradição científica, sejam eles artísticos, místicos ou cosmológicos. Sob esse pano de fundo, tratar-se-ão das linhas de debate estabelecidas na antropologia das ciências e tecnologias: o mundo dos laboratórios, a governança do ambiente e do fazer científico, a biotecnologia, a educação da ciência e da técnica, as corporalidades e suas habilidades e capacidades, as controvérsias científicas, as relações interespecíficas, dentre muitas outras.

A Sétima Reunião da Antropologia da Ciência e da Tecnologia (VII ReACT) ocorreu na Universidade Federal de Santa Catarina, em maio de 2019, e foi organizada pelos professores-pesquisadores ligados ao Coletivo de Estudos em Ambientes, Percepções e Práticas (CANOA), Gabriel C. Barbosa, Jeremy Deturche, Rafael V. Devos e Viviane Vedana, e pela professora Letícia Cesarino (PPGAS/UFSC) e Thiago Mota Cardoso (UFBA), que colaboram com o coletivo. Esta edição do evento toma de empréstimo a noção de “diversidades contaminadas” da antropóloga Anna Tsing (UCSC/Arhus) – uma das conferencistas internacionais convidadas – para trazer ao primeiro plano emergências contemporâneas dentro do campo da antropologia da ciência e da técnica. Entre estas serão destacadas fertilizações mútuas entre antropologia e as demais disciplinas no campo dos estudos sociais da ciência e tecnologia; entre a teoria antropológica, as teorias da vida e as ciências “duras”; entre os temas da ciência/tecnologia e do conhecimento/técnica; entre teorias nativas e teorias antropológicas.

Objetivos

Dentre os principais objetivos da VI ReACT, destacam-se:

  • Promover o encontro de professores, pesquisadores e estudantes que estejam trabalhando direta ou indiretamente com estudos antropológicos de ciência e de tecnologia, de modo a propiciar o intercâmbio e o debate de ideias na área, bem como o compartilhamento das experiências de pesquisa;
  • Ampliar a gama de profissionais envolvidos, acolhendo a participação de pesquisadores estrangeiros e brasileiros de diferentes campos disciplinares;
  • Divulgar a produção nacional e internacional sobre o tema;
  • Estabelecer conexões transversais que sejam capazes de promover novas articulações dos eixos temáticos, epistemológicos e metodológicos envolvidos neste tipo de investigação;
  • Divulgar e ampliar a rede de núcleos, laboratórios e grupos de pesquisa atuantes no Brasil que têm lidado com a temática dos estudos sociais da ciência e da tecnologia através de uma perspectiva fundamentalmente antropológica e etnográfica;
  • Promover o incremento das discussões teóricas estabelecidas nesta rede mediante a articulação com centros de pesquisa estrangeiros de renome internacional que atuam nesta área.
  • Possibilitar a publicização dos anais do evento através de um website (objetivo condicionado à disponibilidade de recursos).